sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Tohir, Bangladesh, biografia, gratidão e homenagem.

Entre outubro de 2003 e junho de 2004 eu passei por muitas coisas. Biografia não é meu forte, pior ainda autobiografia. Conseguir leitores para um BLOG não é fácil e ainda por cima escrevendo sobre mim. Por outro lado eu já me senti fora do ninho tantas vezes, deslocado, incompreendido e mesmo assim pronto para quebrar paradigmas que este texto vai só ser mais uma vez que isso ocorre.

Era uma vez...

Então vejamos algumas partes. Umas três ou quatro. Vou tentar colocar na ordem cronológica, mas já faz tempo.
A primeira delas. Estava eu trabalhando no BpSafeway e de alguma forma estávamos conversando. Eu e Tohir (se pronuncia Tir) tivemos oportunidade de conversar algumas vezes mesmo nos encontrando apenas no trabalho. Eu coloquei na cabeça que sou chato, mas sempre tem quem goste de mim ou pelo menos de conversar comigo, aí quando eu estava nos meus intervalos aparecia um ou outro puxando assunto. Outras vezes eu estava num caixa isolado do lado oposto aos três principais e que igualmente aos do outro lado tinham cigarros para vender atrás do balcão. Esses cigarros tinham que ser contados diariamente e enquanto contavam também puxavam assunto. Eu não sei o conteúdo da conversa, não lembro, posso me esforçar e imaginar que estávamos ainda nos conhecendo, nos familiarizando um com o outro.
E como pretendo contar o que houve se não lembro? Fácil, resumindo no que realmente importa da conversa.
Bem, estávamos possivelmente ainda nos conhecendo e eu devo ter dito entre outras coisas:
-Eu sou brasileiro.
Ao que ele deve ter dito:
- Eu sou de Bangladesh.
A conversa deveria ter parado aí, mas ele falou sobre... carambolas, caramba, poxa vida...
Ele mencionou Dakar. Pelo menos eu entendi assim. Eu sabia onde era Bangladesh, mas por qual razão ele falaria de um lugar na África? Olha eu denunciando uma ignorância minha. E eu sou todo orgulhoso sobre meus conhecimentos geográficos.
Me denunciei mais ainda ao falar na conversa sobre o Rallye Paris-Dakar.
Tohir logo me corrigiu.
-Não é Dakar no Senegal e sim Dacka, capital de Bangladesh.
I'm sorry Tohir. I remember you immediately forgave me.
Eu pedi desculpas imediatamente e ele me perdoou.
Coloquei essa história como a primeira pois quero acreditar que logo aprendi a lição.
Você sabe onde fica Bangladesh? Dacka?
http://www.bangladesh.gov.bd/

https://maps.google.com/?ie=UTF8&hq=&hnear=Bangladesh&t=h&source=embed&ll=23.684774,90.351563&spn=5.913713,4.702148&z=6

A segunda delas.
Denuncio outra ignorância minha.
Era muito comum me perguntarem sobre as mulheres brasileiras. Pense no sucesso! E era um tal de:
-Francisco, tell me. Are the brazilian girls hot?
Eu ficava furioso. Só compreendia e sentia um lado pejorativo.
Ficava assim na minha interpretação:
-Francisco, me fala uma coisa. As mulheres brasileiras são quentes?
Mas a forma de falar e o tanto que eu imaginava a conotação sexual do comentário me faziam responder quase sempre de forma brava e irônica. Dizia eu:
-Não! Não são nem quentes nem frias. São da temperatura normal.
E dentre quem levou esta resposta desaforada está meu amigo Tohir. E olha que ele era um dos gerentes.
Hoje dou risada. Antes demorei a aprender outro sentido possível para tal pergunta.
As mulheres brasileiras são sexy? Sim Tohir, elas são. Acho que te disse isso em tempo.

A terceira delas.
A menos bonita.
Talvez a mais engraçada para quem esteja lendo.
Ao chegar em Hove, Reino Unido, aprendi muitas coisas, mas não acontecia tudo em um dia.
Eu já estava totalmente ambientado, conhecia um monte de gente. Os Martin já eram minha segunda família e os meus colegas de trabalho já estavam bem separados entre amigos e colegas.
Aí quando imaginei que surpresas estavam se tornando impossíveis eis que de repente...
Quem aparece?
Tohir.
E está com a prancheta para contar os cigarros.
Já era rotina, nada demais isso. Foi só treinamento para escrever um suspense.
Esta passagem está mais para comédia.
Tohir puxou assunto como de costume. Só que houve sim uma novidade.
Ele quis me contar algo. Parecia um segredo. Uma fofoca, boato, sei lá. Só sei que ele contou.
Foi mais ou menos assim:
Tohir - Francisco, sabia que tem alguém jogando papel com cocô no balde de lixo? Hoje mesmo fizeram isso.
Eu -Verdade?!
Tohir - Sim, estamos(provavelmente todo o gerenciamento, que medo!!!!) tentando descobrir quem é que está fazendo isso.
Eu - Eu.

Tohir fica com ar de surpresa. Fica confuso e eu também fiquei confuso.

Eu - Não é para jogar no lixeiro?
Tohir - Não.
Eu- No Brasil é para jogar no lixeiro.
E aí com paciência me explica que no Reino Unido o papel é feito de uma maneira a se desmanchar ao ter contato com a água e por essa razão é no vaso que eu deveria estar jogando o papel.
Eu expliquei como era no Brasil e os problemas de entupimento causados por quem joga papel e tantas outras coisas na privada.  
Levei comigo o hábito de jogar o papel higiênico no balde de lixo. Vocês não fazem assim?
Agora sei como proceder lá e aqui.
Tohir continuou a conversa e emendou:
- Francisco, assumir o que fez foi impressionante. Foi uma atitude nobre.
Mais que infelizmente não lembro das palavras exatas, mas agradeço ao meu amigo por estar na minha lembrança a mensagem. Fiz merda literalmente, mas recebi uma aula e ainda junto colhi a admiração de uma pessoa de uma cultura tão diferente. Nós dois éramos estranhos vivendo na Inglaterra.

A quarta e última deste texto.
A mais bonita, mais emocionante e mais importante para mim. Combustível, bio combustível = combustível da minha vida. Em momentos de tristeza extrema lembro de momentos iguais a este e consigo seguir.

A despedida. A homenagem. A gratidão.
Falei no texto anterior que explicaria, contaria a estória de Tohir. Era desta que eu estava falando.

Morar em Hove foi um tempo de muita felicidade. Melhor ainda é que eu sabia disto enquanto estava lá. Eu sentia a felicidade. Mas decidi voltar e já sabia que voltaria. Por razões que não vêm ao caso resolvi antecipar meu retorno e comuniquei aos gerente do BpSafeway que eles procurassem um substituto para mim pois retornaria ao Brasil antes do previsto. Perguntei quantos dias eles precisavam para arrumar um substituto e acho que concordamos que 30 dias seria adequado.

O último dia. A última conversa. Segurar lágrimas é fácil para mim. Mas não vale pegar pesado.

No meu último dia cada um quis se despedir. Os últimos dias já estavam sendo melancólicos e todos diziam que era uma pena eu ter de ir. Parecia que ao longo dos dias, essa notícia até mesmo impactante, iria se diluindo e no último momento um goodbye resolveria. Pensei que eu e todos estaríamos calejados e a ideia da minha saída já tivesse saturado a paciência de todos.
Bem, não foi nada cinematográfico. Não parecia programa de televisão, nem tinha cartazes, nem multidão, nadinha. Tinha Nadege Jus, Simon Ebers(chefão máximo desta unidade), Michael, Baba Camara, Greg Chiwara, Niall Rafferty, etc. Alguns se limitaram a dizer que lamentavam, um abraço, um tapinha nas costas e tudo resolvido. Mas alguns dos gerentes começaram a fazer diferente, queriam falar em nome não de todos os funcionários, mas queriam falar em nome de todos os gerentes. Me chamavam em particular e faziam um micro discurso.
- Francisco, nós da gerência lamentamos profundamente sua saída. Você foi um funcionário exemplar e é uma grande perda pra nós.
Algo do tipo.
Até que tinha Tohir no meio do caminho, no meio do caminho tinha Tohir. Baixinho, magrinho, com um bigodinho e gerente, abaixo apenas de Simon Ebers.
Me chamou, disse que queria falar comigo. E lá fui eu, muito obediente que sou.
Aí começou dizendo que lamentava e blá, blá, blá.
Pensei que seria tudo igual. Mas pensei isso por pouco tempo.
Ele logo falou que eu não poderia ir embora sem que ele contasse algo que se passou durante os meses que estivemos ali.
Quando eu entrei no BpSafeway foi por intermédio do meu hostfather Peter Martin. Meu cargo? Staff assistant. Do início ao fim. O que não foi do início ao fim foram as atribuições. Eu comecei preenchendo prateleiras, organizando os produtos nelas contidos e caíram na besteira de me botar no caixa.
Besteira deles, sorte minha. Levei uns 15 minutos para aprender a operar o caixa e essa chance foi dada em pouco mais de uma semana. Pronto! Comecei a dividir meu tempo entre o caixa e o facing up e mais um tempo depois era quase que 100% do tempo no caixa. Trabalho fácil, pelo menos para mim. Meu caixa estava sempre correto, fosse qual fosse o gerente que checasse.
Então Tohir agora queria por que queria me contar um acontecido.
- Francisco, um dia você estava fazendo algumas tarefas nos corredores e de repente a loja se encheu de clientes. Chamamos(Michael e Tohir) você para o caixa três e logo após o movimento normalizar mandamos você de volta aos seus afazeres. Horas depois aconteceu novamente, muitos clientes se aglomerando e Michael disse: Tohir, precisamos por alguém no caixa três, mas eu ainda não conferi o caixa.
E então ele disse que falou para Michael: - Michael, pode chamar qualquer pessoa e botar no caixa sem conferir pois quem estava aí era Francisco e eu confio mais nele que em mim mesmo.

Ouvi muitas coisas e ainda estou vivo, posso escutar muitas mais. Não foram, não são, não serão todas iguais a esta. Obrigado Tohir. Perdi contato contigo. Nunca mais tive notícias suas, mas este texto vai em sua homenagem. Se sabes que tenho qualidades, junte a gratidão a elas.

Desculpem leitores por ser um texto tão egocêntrico, egoísta e irrelevante para meus fiéis e queridos leitores. O único motivo de postar este texto no BLOG ao invés de esperar e encontrar outra solução foi temer a falta de memória ou qualquer outra coisa que impedisse que eu registrasse essa passagem tão importante da minha vida.  



 











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Eu sou o fotógrafo!

Eu sou o fotógrafo!
Essa foto me enche de orgulho. Eu acho que ficou perfeita.